quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O solitário

Gravura de Gustave Doré - Divina Comédia - Inferno - canto I


Sonhador tímido e sofrido, ao buscar seus próprios caminhos, pareceu aos demais louco e rebelde, mas foi apenas ele mesmo e sua busca. Os que o seguiram pareciam doidos, mas foram tolos imitadores sem vida, esvaziados de si mesmos. Ele se fez eterno e os outros... Que outros?

escrito em 27-11-2011

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A ponte

Brassaï- lepont - Paris


Vivia da caridade pública. Morando sob a ponte descobriu o sentido para sua existência. Encolhido e quieto ouvia os monólogos dos suicidas que escolhiam o rio para morrer. Fez-se platéia deste último ato.


escrito em 24-11-2011

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

limpeza profunda



Os sonhos serviam como lixeira para seus dejetos emocionais. Na medida em que jogava fora papéis e guardados inúteis, sonhava com pequenas dores esquecidas desde a infância. Assim aliviava a carga da alma para a grande viagem.

escrito em 23-11-2011

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Finalidade

Rio de Janeiro- Arpoador - foto de Nilo Lima



Em sua concepção, a existência obedecia a um propósito maior. Perseguia, incansável, novos horizontes e percebia os fatos da vida como se visse, do alto, a interligação entre todas as coisas. Realizou-se ao inaugurar uma empresa de helicópteros que informava sobre o trânsito e fazia salvamentos.


escrito em 13-02-2009

sábado, 19 de novembro de 2011

Uma escada para o sempre

Starway - foto de Carlos Duarte- Pt

Entrou na casa deserta. ante começou a subir a escada que parecia limpa e sem uso, reforçando a certeza da ausência de pessoas. Assim vivia, um tempo em cada lugar vazio, sem despesas, sem família, sem incômodos. Odiava gente.

Foi subindo e sempre havia mais e mais degraus por subir, cansava e necessitava de repouso,uma cama e cobertas quentes... Amanheceu e permaneceu subindo até que o sol se pôs e a escuridão o absorveu. Era Lua nova. Entregou-se à noite e dormiu em lugar algum, para sempre.


escrito em 18-11-2011

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

As coisas perdidas estavam por aí a procurar seus donos.5


Um pé de meia

Adoro companhia, mas ele sempre me deixa . Quando nasci tinha um gêmeo mas, a toda hora estava largado a um canto, sujo, fedido e solitário. Ainda por cima, me pegam pela ponta com cara de nojo e me jogam em um baú escuro onde sinto medo. Então busquei um outro dono que, além de ser cuidadoso e asseado, é muito friorento e sempre me usa com uma outra por cima. Agora eu tinha uma turma: éramos sempre quatro.

As coisas perdidas estavam por aí a procurar seus donos. 4

tela de Paulo Brabo

O guarda chuva

Detestava andar molhado, vivia triste, espirrando. Perdeu-se sob um banco e divertiu-se ao ver o velho dono sair tão molhado e frio quanto ele. Assim que a chuva passou e um raio de sol tingiu o dia de amarelo, deixou-se descobrir pela senhorinha de pele tão alva que necessitava, urgente, uma sombrinha!

As coisas perdidas estavam por aí a procurar seus donos.3


Boneca de pano


Perdida no fundo do armário ela pensava em tornar-se mulher. Mudaria o tecido das roupas, o recheio macerado precisava de perfume... Ao ver a cabeça de um garoto buscando algo entre as roupas, pensou que o novo dono a faria feliz. Na certa ele teria bonecos e ela adoraria namorar o Super Homem. Conformou-se quando encontrou Shrek.

As coisas perdidas estavam por aí a procurar seus donos. 2

O cartão

Onde estaria a moça que escrevera palavras doces sobre seu espaço florido? Tentava reconhecê-la em vão. Agora ela largava palavras rancorosas sobre pedaços arrancados de blocos.

Quando se percebeu no fundo da gaveta, amassado e coberto de , andou pela casa e parou sobre a mesa à frente da nova máquina iluminada que, pelo tempo de afastamento, desconhecia. Foi então que se viu copiado para dentro daquela tela brilhante e não mais escapou. Sentiu-se como artista de cinema, despertando em várias outras casas e sendo admirado por muitos olhares.

As coisas perdidas estavam por aí a procurar seus donos 1.


O Anel


havia perdido o dedo de onde apreciava o mundo. Ao escapar foi considerado louco por não respeitar as regras da sociedade - preferia estar entre as pedras do jardim, anônimo, em vez de repousar dentro da caixa de veludo azul.

No entanto, sentia falta da conhecida mão. Encontrou-a fazendo jardinagem e ficou lá algum tempo, mas logo voltou a perder-se. Era mesmo assim a índole rebelde dos objetos com vontade própria.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Hades Urbano

Lake of lost - fot. Leszek Bujnowski


Ao longo das calçadas o esgoto corria espalhando os dejetos do hospital mal cuidado. Como se levados pelo rio Letes, em pouco tempo grande parte da população entrava no Hades.


14-10-2011

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A última briga

Amsterdam- foto de Carlos Duarte de Sousa

A última briga

tinha sido feia. Ao voltar, encontrou a casa em desordem. Em vão esperou por ela pensando fazer as pazes, se desculpar. Dia seguinte a bicicleta foi encontrada na ponte. O corpo, inchado e disforme, teve que reconhecer dias depois.


escrito em 14-11-2012

O cãozinho

Tim Flach- riddle_02

O cãozinho

era a alegria, companhia e ocupação da senhora sem filhos. O marido não gostava daquela dedicação que lhe roubava parte do tempo e atenção. A esposa morreu e o animal não saia dos pés do velho, uivando alto toda vez que ele, recolhido, chorava. Aos poucos, um afeto insuspeitado deu sentido à sua vida.


escrito em 21-10-2011

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A rima de Maria


A rima de Maria

Era um lago o corpo de Maria
E meu céu, por inteiro, refletia.
Em azul ela então, me devolvia
aquilo que eu apenas pressentia.
O espelho do tanto que seria
a tristeza da vida sem Maria


escrito em 06-11-2011

O mundo no bagaço


Eva e a cobra, Newton, os Beatles e Jobs... os homens usaram e abusaram dela. Virou símbolo. Agora está no caroço. Dará pra começar de novo?

11-10-2011

sábado, 5 de novembro de 2011

crise conjugal


Eram tão neuróticos que, mesmo sem jamais terem uma crise financeira séria ou alguma paixão paralela, acabaram por se separar. Viver em paz era insuportável!

21-10-2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Antes que



Deixara a casa descontrolado, com desejo de matar. Corria pelas ruas desertas arfando, salivando, procurando algo vivo onde extravasar a fúria. No único lugar com luzes acesas entrou e descarregou a arma.

A família morta esperava o rapaz angustiado que saíra armado. Reconheceu todos eles.

...

Acordou em pânico, ensopado pelo pesadelo. Ao telefone, seu fornecedor de drogas oferecia uma nova remessa. O revólver ao lado estava carregado. Abriu a boca.


escrito em 03-11-2011

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Um novo Pai



Por acaso descobriu, na parede do consultório, um ponto por onde objetos desapareciam. Enfiou a mão no espaço demarcado, experimentando o trajeto oposto e resgatou algumas preciosidades perdidas.

Psicanalista, passou a induzir seus pacientes a trazer memórias, fatos e imagens do passado, libertando-se dos laços ao transformá-los. O processo terapêutico foi bem sucedido até o dia em que um paciente compulsivo, aprofundou-se demasiado e trouxe em suas mãos um feto. No ato, o jovem desvaneceu-se, deixando-se nas mãos do médico, neonato pronto a recomeçar.

escrito em 31-10-2011