sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Anônimo

 o som do silêncio


Em alguns momentos estranho meu nome. Antropônimo, nome próprio? Próprio de quem? Por que haveria de me identificar com uma palavra que me impuseram e com a qual as pessoas me chamam ao longo da vida. 
Não sou isso, não me sinto este nome, esta palavra que me soa estranha, invasora e manipuladora de minha identidade. Me pergunto, então,  como gostaria de ser chamado e a resposta que me chega, do mais fundo em mim é palavra alguma, nome nenhum, apenas silêncio.
 
em 14-02-2015

 

o bolo salvador






Algumas vezes o casal de idosos encomendava um bolo à vizinha, para ser entregue em casa. Naquela manhã a doceira telefonou, como combinado, mas não foi atendida.
Há dias não via a mulher na vizinhança e o pedido havia sido feito pelo marido, o sabor preferido da velha senhora.
Temendo incomodar, a moça tocou a campainha muitas vezes. A demora quase a intimidou, mas precisava cumprir sua palavra. Quando o homem abriu a porta com relutância, ela, acostumada a odores agradáveis, sentiu um cheiro fétido vindo do apartamento. Sem pensar, num átimo, empurrou a porta e adentrou a sala onde a criatura, já putrefata, sentada na poltrona, estava cercada de guloseimas por todo o lado.
Com voz fraca e tremida, o velho disse: já fiz de tudo para que ela ficasse forte e se recuperasse.  
 

em 15-02-2015

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A mágica do verbo

Vyšehrad Cemetery, Prague


Durante anos o velho sentia fraqueza e dores. Pedia ajuda com a vergonha dos que se acostumaram a servir e a ser fortes.
Amigos e familiares ouviam complacentes, mas logo voltavam a lhe solicitar atenção e comportamentos habituais.
Quando o diagnóstico foi feito e uma simples palavra adentrou a vida familiar, em segundos todos se fizeram presentes  pranteando a futura morte anunciada.
 

em 13-02-2015

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

VIOLETA




Quando a conheci pensei que seu nome, o de uma flor tão delicada,  não combinava com seu porte exagerado nem com a alegria exuberante de seus modos.
Agora que ela se foi, ficou um vazio imenso, maior que seu tamanho, mas tão suave, gentil e inesquecível como seu nome.
 
em 11-02-2015


Pela Violeta que foi ser ainda mais feliz em 08-02-2015

corpo e alma


Street Art - Painting illusion
 

Na escada do prédio bancário, o mendigo pintado sobre os degraus, toca de forma contundente os passantes pelo realismo da imagem. Não percebem que a alma da criança ainda está ali, presa ao lugar onde, pela indiferença humana, morreu de frio e fome. 
 
em 10-02-2015