segunda-feira, 29 de maio de 2017

MUSEU dos afetos perdidos



Banksy - balloongirl_alwayshope.


Museu dos afetos perdidos


Não sei como cheguei àquela porta, mas o nome do lugar era curioso e atrativo e não resisti.

Sensação estranha, familiar, ao adentrar aquele espaço. Até odores pareciam remeter-me a outros tempos, mas o que sentia mais forte era perda, uma funda sensação de algo que faltava.

O que vi primeiro foram abraços nunca recebidos de mãe e pai e um vazio muito grande ocupou meu peito triste.

Num canto mal iluminado, fraca luz vermelha clareava algo confuso e barulhento, soturno e ameaçador:  identifiquei raivas diversas.
Estranho elas se unirem mas, afinal, tinham o mesmo propósito e não conseguiam se livrar de si mesmas. Anotei que precisaria conseguir, fosse aberta naquele canto, uma janela a trazer claridade, para que pudessem se libertar.

Alguns nichos pouco nítidos me deixavam entrever pessoas amorosas a quem neguei afeto ou nem percebi. Assim, permaneceram mal paradas, inseguras, mãos tímidas no ar emitindo palavras pouco audíveis, murmuradas com medo e timidez.

Em outros, ao contrário, havia impulso meu para entrar e este era barrado de modo ora agressivo, ora indiferente e mesmo zombeteiro.

Mas, talvez o pior tenham sido as dores. Pareciam sangrar-me em seu tempo perdido. Afetos mal aproveitados, mal vestidos, poluídos e desfeitos em trapos. Carinhos mal feitos, pouco experimentados e escapados no tempo, abortados pela morte ou pela indiferença.

Quanta coisa mal vivida, mal percebida, pouco valorizada. Relações longas mas, pouco conscientes de sua importância, tornaram-se pálidas e sem viço.

Mas nem tudo era assim. Algumas peças risonhas e coloridas me trouxeram alegria e prazer embora gastas, conjugadas no passado e assim catalogadas.

O museu me fazia consciente de mim e de tanta vida partilhada.
Tanto foi que me vi surpreendido ao procurar pela grande paixão vivida um dia. Uma das perdas mais importantes e sofridas, onde e como estaria representada?

Ao descobrir que ali não estava, deixei o museu quase correndo, certo de que talvez fosse a chance de encontrá-la ainda viva, à espera!

Angela - em 25-05-2017
Inspirada por meu neto Luca, contando sua visita ao Museu Nacional.