domingo, 30 de janeiro de 2011

Magdala

imagem recebida por e-mail- desconheço o autor


Seria em minutos. Após muita pressão aceitou ir à clínica. Agarrava-se à bolsa como a uma bóia que servia para ocultar seu ventre ainda pequeno, mas tão sentido. Ela sempre fora contra o aborto, mas ele não queria o filho, pois não podia arriscar perder a confiança do bispo e dos paroquianos. Afinal, apenas havia cedido a uma leve tentação.


escrito em 29-01-2011

sábado, 29 de janeiro de 2011

Viagens com Caronte III

caronte transportando psique - desconheço o pintor


Caronte III

Quando foi ao Hades cumprir sua última prova Psique sabia que não podia tocar ninguém. Caronte lutou para afastá-la dos homens que, mesmo mortos, não resistiam à uma bela mulher.

escrito em 27-01-2011


Viagens com Caronte II

caronte - viesturs Links - olhares.com

Caronte II

Caronte estava empobrecendo, nenhum morto queria mais ir ao Hades. O inferno estava vivo sobre a superfície da terra.

escrito em 27-01-2011

Viagens com Caronte

Labarca di Caronte - Jose Vitti

Caronte I

O barqueiro andava tendo crises de solidão - não transportava mais ninguém. Até para o Hades todos tinham pressa de chegar. Era hora de trocar o barco por uma lancha potente.

escrito em 25-01-2011

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

dois pulmões e uma dúvida

imagem do google


Leu que a tristeza está associada aos males dos pulmões. Na dúvida, piorava.

Não sabia se estava triste por respirar mal ou se respirava mal porque estava triste.


escrito em 25-01-2011

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Vidas sem vida

caribe_tela de dicavalcanti


Discussão acalorada, as duas mulheres pareciam bastante tensas e preocupadas. Divergiam radicalmente e citavam razões de um familiar, defendendo outro, seu oponente. De repente, o assunto mudou e saíram rindo. Devo ter feito uma expressão de espanto, pois alguém, se divertindo, explicou que discutiam, apenas, o último capítulo da novela.


escrito em 13-01-2011

domingo, 23 de janeiro de 2011

O preço

interferência sobre imagem da web


A criança era muito clara e os fios de cabelo, quase brancos, escorriam pelos ombros. Nos olhos azulados, quase transparentes, um brilho faiscante. Adoeceu e não sabiam cuidá-la. Muito frágil, quando a febre aumentava o brilho do olhar desvendava as almas de quem focava. Percebeu o medo da mãe quando disse: - Preciso do escuro. Deixe-me no quarto, quero apenas água. Semanas se passaram ao som de luta enquanto clarões rasgavam os vãos da porta e a casa trepidava. Um dia tudo cessou e a porta se abriu. No aposento vazio, o chão escrito: Venci. - eu vos deixo a paz.


escrito em 23-01-2011

sábado, 22 de janeiro de 2011

Larva

Dagon2

Preciso limpar o depósito de mágoas e dores sepultadas em mim. São tantos os anos, que nem sei mais o que ali se encontra. Sinto incômodos, ora tristes, ora raivosos, que me queimam as entranhas. Às noites, as larvas caminham pelos lençóis, escapando do escuro profundo onde me habitam. Atrapalham-me o sono quando crescem e se agigantam e são tão grandes que conseguem sair às ruas. Ontem, alguém foi engolido na calçada e restaram alguns ossos. Desconhecem quem possa ter feito o estrago. Eu não!


escrito em 22-01-2011

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Polares

asilencelike. Jackie Morris


Quando engravidou, encontrou um filhote de urso perdido na neve. Cuidou-o enquanto preparava o enxoval de seu bebe. Quando a menina nasceu, dormiam todos na mesma cama, pois o ursinho esquentava melhor que qualquer pele ou . A menina e o filhote brincaram juntos e um dia ela percebeu a sexualidade partilhada entre aqueles seres tão diferentes. Deixou a natureza seguir seu curso e ambos, menina e urso começaram a gerar. Os seres híbridos, nascidos belos, fortes e peludos, estavam perfeitamente capacitados para a dura vida polar.



20-01-2011

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A visita

inverno intenso


Naquela manhã, ela ouviu um som delicado e insistente à porta de casa. O bosque, havia tempo, estava quieto e branco coberto pela neve incessante. Colou o ouvido na madeira e certificou-se do som, até que se dispôs a abrir a entrada apenas um ligeiro vão antes que a casa congelasse. Nada. Então o som foi substituído por outro, tão leve quanto o anterior, parecia água que caminhasse. Com o olhar, acompanhou as marcas úmidas que adentravam a sala até parar sobre o tapete diante da lareira acesa. Sentia a presença que não via, embora estranhamente não se amedrontasse. Sentou na velha cadeira de balanço e esperou, atenção fixa no espaço onde percebia a existência indefinida. Recostou-se e acompanhou a respiração quase etérea. Fechou os olhos enquanto o som se fazia cada vez menor até cessar. Entregou-se.


escrito em 18-01-2011

Cascas

128 Pascal Renoux


Conchas sobre a areia sempre me trazem mensagens, eu sei. Guardo-as todas, mas ainda não decifrei uma coisa que me dizem. Entretanto, estou certo de que preciso me afogar bem fundo para aprender a linguagem dos abismos. Elas continuam a me chamar e prossigo pelas praias como amante temeroso. Encantado e seduzido, tendo apenas a posse de seus corpos.


escrito em 15-01-2011

domingo, 16 de janeiro de 2011

No inferno

531 Pascal Renoux - hands


- Toma, disse ela à serpente. Prova, é gostosa.
- Bem me lembro menina, bem me lembro. Desta vez não imagines resgatar o Paraíso passando-me o encargo que te coube. Além das culpas que já te pertencem eu não suportaria acumular mais sobre teus frágeis ombros.

escrito em 14-01-2011

Novas leis

1500-1253~Couple-Driving-Posters


- Boni, você está sóbria de fato, não está?

- É claro Claidi, porque pergunta?

- Está vendo o trânsito emperrado? É certo haver, adiante, um grupo de policiais da tal Lei Seca. Podemos ser bandidos, mas é você que está ao volante e bebida hojecana!


escrito em 11-01-2011

sábado, 15 de janeiro de 2011

Entre atos

Cate_Blanchett


Fico aqui à espera, lembrando e saboreando nossos momentos e nada mais importa. Seu gosto permanece em minha boca, seu cheiro em minhas mãos e espero chegar a hora de repetir tudo novamente. Por quantos meses conseguiremos fazer estas cenas e continuar o espetáculo convencendo a platéia de que interpretamos?


escrito em 11-01-2011

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

limites humanos

ferida- detalhe de quadro- desconheço o pintor

Por favor, Tomé! Resolve logo sua dúvida e tira o dedo da minha ferida. Posso ser divino, mas também sinto cócegas.


escrito em 11-01-2011

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O último relatório


Do alimento sabia pouco, não importava. Papel e tinta, suficientes. O tempo ruim ajudava, só o aborrecia deixar o cão de tanto tempo certo. Era dócil, alguém o cuidaria. Faltava pouco, duas ou três estações à frente seria tempo suficiente para relatar o que talvez, nem mesmo ele, soubesse tão bem. Quanto ao barulho, seria abafado pelo som constante do motor.

escrito em 08-01-2011

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Suplício

Sisifo_1998_Montenegro


Precisava caminhar para perder peso. Tinha que perder peso para conseguir caminhar.


escrito em 07-01-2011

mofados



Pelo medo de se molhar protegiam-se tanto da chuva que jamais viram o sol.

escrito em 08- 01-2011
15h33'hv

sábado, 8 de janeiro de 2011

Gatos brincam com novelos,

artistic-surreal-photomanipulation-by-sarolta-ban-17


Gatos brincam com novelos,

mas este emaranhado, tal como com Sísifo, brincava comigo a me fazer escravo da repetição infindável de histórias. Sentia que me enrolavam a força e a vontade debilitadas. Quanto mais eu desmanchava seus fios, mais enovelado neles me tornava. Comecei a desconfiar do bichano. De fato, identificado como fiel companheiro, era cúmplice desde a bisavó.


escrito em 05-01-2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O inventariante

Guerra - REUTERS foto de Carlos Barria- agosto 2009


Era uma alma experiente e, por isso, tinha sido escolhido para mais uma estúpida batalha. Passando entre os corpos dos combatentes, se alguém ainda estivesse vivo, o tomaria como um fantasma entre os escombros. Desta vez tinha dificuldade para cumprir as ordens recebidas. Todos eram muito jovens, o ataque tinha sido rápido e a maioria parecia apenas dormir. Como avaliar as almas que ainda precisavam ajuda para aceitar a morte e quais as que estavam serenas em seu repouso eterno?


escrito em 04-01-2011


quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Remontagem

assembler_by_Kosmur


Um pensamento insistente, contínuo, bastante incômodo havia tomado conta de minha mente. Como conflitava com tudo que havia em mim, comecei por livrar-me dos valores arcaicos de meus pais. Em seguida fui destruindo conceitos e idéias da infância, lições de colégio, memórias de parentes, colegas e amigos mais chegados. O compulsivo juízo foi eliminado quando, esvaziado de toda referência, ficou livre para ser aceito. Então não me reconheci e, sem identidade, não mais encontrei razão para todo este desmonte.


escrito em 04- 01-2011

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A primeira vez

gloves - imagem da web


Frio. Ela saltou do trem agasalhada com casaco e gorro, mas foram as luvas a me chamar a atenção. Pareciam manter-me à distância. Dobrei o corpo, na mesura mais formal possível. Ela sorriu. No gesto de liberar a mão direita para o cumprimento, despiu-se deixando-me canhestro e nu. Diante dos longos dedos pálidos, deixei cair o livro e a pose, restou-me a timidez sombria e enluvada dos canhotos.

escrito em 04-01-2011

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

a caminho

sarolta-ban-surreal-24


Anda devagar, certo de que o caminho acaba adiante. Segue com receio das dores e dos percalços que ainda impedirão o encontro. Tem medo de descumprir o encargo, de chegar aos trancos se arrastando cego em plena luz do dia, confundindo a Lua com a mãe distante, receio de perder alguma parte do que amealhou na alma por confuso e fraco. Seu consolo é o descanso, esquecer todas as coisas, deixar pra sempre a atenção que oprime e impede o sono, entregar o fardo, enfim repousar na única benção que o livrará do tempo. Mente vazia, silêncio absoluto.


escrito em 28-12-2010
21h16' hv

domingo, 2 de janeiro de 2011

sem saída


moto contínuo


Reclamava que ela falava demais, repetindo as mesmas coisas. Não percebia que, há anos, as questões eram as mesmas às quais ele jamais havia respondido.


escrito em 27-12-2010

uma conexão eficaz



Alguns acidentes cerebrais e o escritor não conseguia articular palavras nem movimentos. Parecia estar à deriva da vida, entretanto sua mente não parou de elaborar histórias cada vez mais ricas e abundantes. Neste tempo, sua antiga governanta, senhora boa, mas iletrada, passou a escrever textos brilhantes, contos de raro valor. Durante meses, a concentração de energia no cérebro do homem, permitiu-lhe desenvolver um alto potencial telepático. Quando repousava, bastava segurar as mãos da senhora para plantar, naquela mente rude, os frutos que elaborava com primor.


escrito em 29-12-2010