quarta-feira, 29 de junho de 2011

O enterro da sereia



É assim, quanto mais cavo mais água entra, dizia o coveiro à beira mar.


escrito em 28-06-2011

terça-feira, 28 de junho de 2011

O diferente

Ron Mueck - Big man



Com os diabos, não posso viver em paz ? Por ser maior que a maioria das pessoas, desde a infância os colegas me temiam e, entre dentes, inventavam horrores sobre mim. Não havia roupa nem calçados que me coubessem e agora, vejam , sou exposto em público, as pessoas me espiam sem respeitar, ao menos, meu desejo de solidão.


escrito em 16-06-2011

sábado, 25 de junho de 2011

Intenção avessa



A menina solitária e tímida, aniversariava. A mãe, ultra ocupada, produziu uma festa para animá-la. Tudo pronto, esperaram em vão pelos colegas. Os convites repousavam esquecidos no fundo da pasta executiva.


escrito em 25-06-2011

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Fuga

Caminho perdido - Paulo Moreira


Saiu sem direção até encontrar uma estrada tão cheia de ramificações quanto suas indecisões. Subiu na primeira árvore e lá ficou. Para cima se sentia no rumo certo. Esperaria até que os ramos alcançassem as nuvens.

escrito em 19-06-2011

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Só uma chave



Ele saiu e resolveu levar apenas a chave de casa. Iria bem perto e logo estaria de volta, era noite e não queria correr riscos na cidade violenta. Pouco depois ela viu a chave girar na porta e homens entraram atirando. Só deu para pensar em que ponto da rua o corpo dele teria ficado, sem a chave.


escrito em 18-06-2011

segunda-feira, 20 de junho de 2011

vazios


- Você é insaciável !
diz a mãe à menina que prende o seio dela à boca, enquanto bebe o achocolatado da merenda, antes mesmo de sair para a escola.
- Mãe, é que dentro de mim mora um buraco!

escrito em 26-09-2010

sábado, 18 de junho de 2011

Esperando Perseu


Estática, ansiava em vão pelo herói que, como no mito, a salvaria. Ainda não tinha consciência de que a depressão que a devorava há anos era mais poderosa que Cetus, tão petrificante quanto o olhar da Medusa.


escrito em 18-06-2011

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Visita polar


A senhora não sabia o que dizer diante da visita inesperada. Não morava no polo e nunca havia pensado em ter um animal de estimação. E aquele pinguim, ainda por cima, levantava o olhar e a desafiava como se fosse um imperador.

escrito em 07-06-2011

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Fome de depois


A balança pendeu mais um pouco para o outro lado. O futuro, imerso na penumbra, podia ser visto. Esperava. Não tão paciente como desejava, pois a história estava rota e não devia ignorar o prumo. Ao levar consigo o desequilíbrio, mudaria toda a história escrita. Mas a morte tinha um doce sabor de fruto maduro. E estava faminto.


escrito em 10-06-2011


segunda-feira, 13 de junho de 2011

Com seis sentidos

gottfried_helnwein_04


A menina não queria fazer a foto para publicidade. Tanto a mãe pediu, que ela cedeu. À medida que colavam sua imagem na parede, começou a ter estranhas sensações. Sentia comichões, ouvia sons de passos sobre a pele de seu rosto, o odor de cola tirava seu apetite e seus olhos ardiam, secos por tanto vento. Mas o pior era a percepção de que, quando os operários chegassem perto de sua boca ela os cuspiria para o abismo.


escrito em 08-06-2011

domingo, 12 de junho de 2011

Fusos - uma metáfora dos desencontros



O relógio marcava 6 horas e ela despertou. Ligou para casa. Estava do outro lado do mundo e sentia falta dele e do lar.


entardecia quando ele atendeu arfando. Sentia que a corda de seu relógio vital afrouxava e pediu que voltasse.


Ela prometeu ligar mais tarde. Então seria dia dos namorados, e queria surpreendê-lo, havia comprado a passagem.


Na hora do almoço, chamou em vão.

Ele morrera ao anoitecer. Fazia frio, cansou de esperar.


escrito em 11-06-2011

sábado, 11 de junho de 2011

genes nômades

la_grande_nomade - Antibes


Parecia Viking e tinha raízes europeias. Alguma coisa polonesa, um tanto alemã, bastante francesa e portuguesa, com uma boa dose inglesa, mas tinha sido semeada em um país tropical. De quanto disparate era capaz a natureza!

escrito em 06-06-2011

quinta-feira, 9 de junho de 2011

De castigo

Contra capa do livro Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros


Depois de matar a mulher cortou-lhe a cabeça com o machado, espalhando sangue. Então se pos de cara para a parede e ficou por dias a fio antes que a mãe brigasse, como sempre fazia quando ele sujava a casa.


escrito em 08-06-2011

Pudor


O menino ficou aflito quando ouviu dizer que se podia ver astros no céu a olho nu. Desde então passou a andar de olhos baixos, envergonhado. Só teve sossego quando atenderam a seu pedido - ganhou óculos escuros.

escrito em 03-06-2011

terça-feira, 7 de junho de 2011

Tempos difíceis

Ron Mueck - Big man - detalhe da escultura


Gostava quando a mulher fazia pastéis para o almoço. Sempre vinham com recheios surpreendentes. Em alguns, crianças moídas; em outros, só mulheres - e estes eram os mais macios; e ainda podiam ser pequenos animais silvestres. Em tempos difíceis, ela os enchia com vento - e ele comia pouco pois, com a pança cheia de gases, produzia furacões.


escrito em 05-06-2011

segunda-feira, 6 de junho de 2011

sintonia


Estava pesada como o dia, encharcada e cinzenta como o céu e não sabia a causa de tanta tristeza. Chorou um rio e as nuvens sumiram. A alegria voltou como em dias de sol. Era íntima da natureza.

escrito em 29-05-2011

sábado, 4 de junho de 2011

enquanto o lobo não vem


A menina ia sempre ao bosque buscar folhas e frutos silvestres. Ele ia sempre ao bosque buscar crianças sozinhas. Ela pensava que os lobos só existiam em contos infantis. Ele se sabia lobo mau.

escrito em 02-06-2011

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Apego à vida

Imagem do filme - os_fantasmas_de_scrooge_2009


era idoso mas, firme, vivia a vida em seu melhor. Um dia viu a porta de casa abrir e um séquito de seres estranhos entrar. A princípio temeu por ladrões até perceber que era morte a comandar o bando. Precisou reforço para conseguir levá-lo.

escrito em 1º de junho de 2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Confissão

The confession - Herbert T. DicKsee 1862-1942


Quando pediu que o recebesse, ela adivinhava o que lhe seria dito. Havia se preparado para perdoá-lo, ainda mais agora, que nada poderia salvá-la. percebera que, como seu médico, ele a envenenava há anos, mas como não tivesse vontade de viver, foi conivente. Agora ele que se resolvesse com sua consciência, ela jamais seria dele, mesmo na morte. Quando a visita foi anunciada, tomou a dose final que a libertaria.


escrito em 28-05-2011