terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O cheiro da manipulação

véus - imagem da Internet


Ela borbulha inveja do mundo. No entanto, sorriso nos lábios, espalha elogios por onde passa. Sob as palavras floridas se escondem os vermes que revolvem as raizes de sua alma putrefata. Quem percebe se abana, se afasta, alguns chegam a persignar-se. Fica o miasma.


escrito em 26-12-2010

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

isolamento

dinosauro embrião


Sonhava com a cauda que batia rápida e forte, afastando pra longe tudo e todos. A casca grossa que o protegia, ameaçava romper-se a cada instante e sabia que seria um esforço colossal construir fora, a solidão desejada. Diziam que prisão sufocava, mas ele sabia que não. Era assim, em segurança máxima, que sentia liberdade absoluta.



escrito em 27-12-2010

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O nariz



Amanda fez plástica, análise cinco vezes por semana e perdeu-se. Não sabendo mais quem era, comprou máquina digital e se fotografou todos os dias. Ao se ver desconhecida, rasgou as fotos, quebrou a máquina e decidiu voltar ao consultório. Encontrou-se sob o divã, encolhida e agarrada ao antigo nariz adunco, centro e razão de toda a identidade abandonada.


escrito em 20-12-2010

informação sigilosa



Para defender informações sigilosas, as mais altas tecnologias foram desenvolvidas. Atentos aos elaborados aparelhos e aos códigos mais modernos, esqueceram de prestar atenção aos amantes e namorados. Beijos, bom-bons, flores e bilhetes eram coisas ultrapassadas, sem risco algum. Os códigos passaram boca a boca, bico a bico, corpo a corpo e ninguém percebeu.

escrito em 14-12-2010

sábado, 18 de dezembro de 2010

Estrada para a China


Rotunda, vivia no ocidente e poderia ser classificada como mulher.

Quando se viu, a partir dos pés, pisava sobre estrada que a levaria bem longe e estranhou as imperfeições do pavimento. Algumas rachaduras e desníveis fizeram com que duvidasse que o caminho a levaria à China.

Mas era que estava. Chegou aquela cidade que mais parecia uma feira, plena de barracas com roupas e tralhas penduradas. Numa das tendas, foi atendida por uma chinesa que lhe apresentou estupendos mocassins em couro alemão castanho, perfeitos, macios e belíssimos. Calçou-os e ficou apreciando a delicadeza de seus pés dentro deles. Em seguida começou a vestir calça e camisa em tecido leve, talvez cambraia, em listas finas, suaves, corte impecável. Junto ao tornozelo, algumas pregas eram fechadas por uma alça do mesmo tecido. O mesmo ocorria nas mangas e o caimento era perfeito sobre sua silhueta, então magérrima e elegante.

Em meio ao tumulto do mercado, temeu perder-se e lembrou-se de olhar o caminho por onde viera, reconhecendo e gravando o percurso para a volta.

Então se viu numa casa agradável, janelas amplas, abertas e cheias de luz. Era dia e algumas pessoas, familiares, ali estavam. Reconheceu o irmão morto e, muito à vontade, descreveu-lhe as vestes que experimentara, certa de que seriam de seu maior agrado.

Em instantes suspeitou que recebera um aviso de mudança drástica em sua vida.

Seu sonho lhe contava sobre opostos - Estava no oriente, magra, era masculina e caminhava .

Seria seu último percurso?



quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

espectrografia

060925_duane-michals6


Por muito tempo, todas as noites eu escrevia sem parar. Ao despertar, exausto, encontrava papel amarrotado e aparas de lápis pelo chão. Meu trabalho noturno parecia ser algum sonho mau que apenas exauria minhas forças. A meu pedido, um amigo vigiou meu sono e assim, encontramos o esconderijo onde, dormindo, guardei os escritos. Afinal, conheceria o trabalho que me subtraiu tanta energia. Ao abri-lo soube que jamais seria lido. A grafia era completamente desconhecida.


escrito em 13-12-2010

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Aflições



Uma boca com fome, sem saber de que, ouviu a alma que dizia: - sorria.

Mas a boca, aflita, mordia a língua, cerrava dentes, sangrava os lábios, sem saber porque.

Então o olho viu uma outra boca que sorria e se abriu, e a alma acompanhou,

pois ainda não sabia que, aflita, também teria fome e sangraria.


escrito em 14-12-2010


domingo, 12 de dezembro de 2010

O bando


Os velhos vinham em sua direção, pesados, graves, cinzentos. Tentou se proteger sob a soleira de uma porta e apertou-se contra a madeira, sem respirar. Ao passar, riam um riso rouco e duro. Haviam conseguido seu intento, conseguiram tirá-lo do caminho. Quando se deu conta, não estava mais ali, era um deles e caminhavam juntos.

escrito em 12-12-2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Culpada

imagem do blog amoresfunebres


Ela veio pela calçada da direita e entrou na casa à direita, subindo os degraus com o direito. Não concebia hipótese de que algo sinistro pudesse acontecer por causa de seu comportamento.


escrito em 07-12-2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Perigos


A cidade andava bastante violenta. Quando ele disse que ia passear na praia para relaxar, a família tentou impedi-lo alegando que corria muitos riscos. Ao retornar encontrou a casa cercada por bombeiros e ambulâncias. Uma bomba detonada explodiu e sepultou, sob os escombros, todos os 'protegidos'.

escrito em 29-11-2010