Uma Thurman como Medusa no filme Percy Jackson & the Olympians: The Lightning Thief
A mãe era terrivelmente ativa e violenta e a menina não conseguia aproximar-se e agradá-la. Quando a mulher adoeceu, ficou calma e quieta e a filha achou que estava morta. Embora triste, chegou perto para um beijo. Em segundos, viu-se petrificada de medo em um canto do quarto. A górgona apenas dormia.
escrito em 25-07-2010
Em uma pequena cidade, antigos moradores reclamaram do comportamento estranho de alguns vizinhos, recém chegados. Ao entrar no local, a polícia os viu movendo os corpos em gestos ondulantes de braços e pernas. Por momentos se abraçavam e, nas faces, mantinham sorrisos de imensa satisfação e prazer. Os queixosos insistiam que eles deviam ser presos porque insanos, enquanto os jovens argumentavam que apenas dançavam. Os velhos há tempos, estavam surdos e haviam esquecido a música.
Jovens músicos formaram uma banda estilo Nova Orleans. Sempre juntos, passavam noites em claro tocando e bebendo até de manhã. Aceitaram o convite para tocar em uma cidade vizinha, mas um acidente aéreo causou-lhes a morte. Conforme combinado, foram enterrados sob uma mesma lápide que dizia: Aqui, Jazz Band.
Queria se livrar de seus lamentos e penúrias. Tinham dito que as grandes águas podiam carregar e dissolver tudo, trocando seu destino por algum melhor. Um final de tarde, pôs as más lembranças na sacola e foi lançá-las ao mar. Ao deixar a praia sentia a alma leve, mas carregava, na bolsa, um peso desconhecido. Não sabia que o mar misturava as sinas e que, assim como os gramados, a vida dos outros nem sempre são mais belas.
Depois do amor, eu esperava que ela se aprontasse. Era tão radiosa, feliz e cheia de vida que, ao sair do banho, seu corpo me pareceu ainda molhado, coberto pelo brilho das gotas que a envolviam. Ao fechar as janelas, quando o escuro se fez, pude perceber que eram lágrimas profusas brotando da tristeza oculta de uma alma que eu não possuíra.
Haviam se encontrado no ônibus. Ela falou sobre cores e flores e ele, tímido, não pediu seu endereço, mas guardou o nome da rua dito quase por acaso.
Dia seguinte, como não a visse na condução, desceu no mesmo ponto e indagou sobre a rua. Estando lá, não teve dúvida. Em meio à austeridade do lugar, a única casa colorida, gerânios vermelhos na janela e cortinas esvoaçantes eram os sinais que precisava para vencer seus temores.
Vivia sua primeira gestação. Em passeio nos Alpes ao ver o solo nevado pingado com sangue e, sendo aficionada de contos de fadas, lembrou-se de Branca de Neve. De imediato sentiu desejo que o filho em seu ventre unisse as qualidades destes dois elementos. Foi atendida. A criança cresceu com temperamento frio e violentamente sanguinário.
escrito em 19-07-2010
Na clausura vejo olhos que me perpassam quando me desnudo e, ao me deitar há corpos sedentos sob o meu. A Bíblia só abre no Cântico dos Cânticos e minhas mãos são outras quando percorrem meus seios e adentram minhas coxas. Quando confesso não me acreditam, me dizem teatral ou paranóica sem saber dos outros que me habitam. Só estou segura e única quando junto a pessoas, mas isto me proíbem. Condenaram-me a estar sozinha com todos eles, nesta cela onde mais rezo e me despenco. Hoje vão me crucifixar.
escrito em 19-07-2010
Nas provas e trabalhos, tinha as melhores notas da escola, entretanto dormia durante as aulas sem atenção a matéria alguma. À noite, projetada em uma biblioteca antiga, recebia ensinamentos, lia alfarrábios em vários idiomas e aprendia assuntos que deixariam seus professores atônitos. Seus pais resolveram investigar. Encontraram a menina sentada no leito, olhar fixo no vazio. Quando tentaram acordá-la, perdeu-se para sempre.
escrito em 18-07-2010
Toda vez que papai viajava, mamãe ia tomar chá com sua amiga e me levava para brincar com a filha dela. Passávamos as tardes escondidas atrás do piano experimentando delícias com nossos corpos e ninguém nos incomodava. Custamos a perceber que nossas mães, lá em cima, no quarto, se divertiam do mesmo modo!
Ao descer a escada de casa apoiado na bengala, sempre pensava que um dia acabaria caindo e morrendo do tombo. Foi então que ela escapou de suas mãos, rolou e, ao chegar lá embaixo, partiu-se. Sentado no frio degrau, juntou sobre o colo as partes da madeira. Acariciando o objeto que o suportara por longo tempo, vertia lágrimas agradecidas.
escrito em 12-07-2010
A cidade estava tão poluída que ele usava lente colorida só para ver um pedacinho de azul. Olhava para o alto e se sonhava pássaro, livre da escuridão nos prédios comidos pelo tempo. Quando achou que o anil estava avermelhado não teve como escapar, a chama que lambeu o prédio consumiu-lhe as asas.
Nasceu no décimo segundo dia, no verão, sob o signo da Lua. Estar embalado e quieto era o maior de seus prazeres. Comemorava o aniversário enroscado e dependurado na viga do quarto. Junto aos morcegos se sentia revigorar, contrariava a gravidade e, pelos séculos, permanecia bem conservado. No início do casamento, a mulher estranhou este hábito, mas, nascida sereia, aprovava quando amanheciam no fundo do mar e renasciam entre as ondas da praia.
A obra vizinha rachou o reboco do quarto da senhora que, desde então, adoeceu. Sentia odores no quarto, não dormia bem, nada de sossego. Velhice, dizia. O neto veio nas férias e, dormindo no mesmo aposento, tinha pesadelos terríveis. Caiu doente e não era velhice, com certeza. Médicos e rezadeiras enfileiravam os dias até que a parede cedeu deixando à mostra dois restos de corpos emparedados, uma velha e um menino.
A perna de bronze queria andar, mas estava presa à pedra de sustentação. Sabia ter sido criada para o movimento e ao ver a sombra que projetava nas paredes, percebeu que se movia ao passo da luz. No espaço à volta, com o movimento desejado, tornava-se leve e até maior que sua matéria inerte. Era da sombra que precisava para ter luz!
Lá estava a placa VENDE-SE - na fachada. Embora sem condições financeiras sentiu-se tão atraído pela beleza do palacete que desejou ver seu interior. De posse das chaves subiu as escadas diretamente à pequena torre circular que o agradava sobremodo. Lá chegando, recebeu o comunicado de que tinha ganho na loteria. Fascinado, achou que a casa lhe trazia boa sorte. Comprou-a e mudou-se após breve reforma. Passou a partilhar a vida com a dona da casa que apenas pressentia, no quarto, à mesa, no jardim.
Viveu sujeita a muitas situações pesadas e inusitadas. Inspirava profundamente a cada vez que algo muito difícil ocorria e assim, conseguia manter a serenidade. Na meia idade, percebeu que expirando e soprando sobre uma pessoa, lugar ou situação, o ar que expelia a isolava de tudo que fosse desagradável. Ganhou apelido de Madame Dragão, mas passou o resto da vida devolvendo sopros negativos que anulavam qualquer malefício que pudesse atingi-la.
Ao chegar na cidade sentia-se cansada da vida monótona, sem ilusões. À porta do prédio onde havia um quarto para alugar, deparou-se com uma construção tão bela que a deixou insegura. A indicação estaria correta? Ao subir as escadas, envolvida com a arte ambiente, sua cabeça começou a girar como os arabescos que via. Ao chegar ao piso de seu quarto, diante da porta aberta, deparou-se com uma jovem à moda antiga que lhe estendeu a mão colocando-a diante de um imenso espelho onde as imagens das duas se fundiram. Nunca mais encontrou aquela que acreditava ser ela mesma.
