escrito em 22-10-2009
Percebeu que seu lixo andava sendo revirado. Conversando com algumas vizinhas soube que o mesmo acontecia com o delas e com uma agravante, em todas as lixeiras sumiam os saquinhos onde acondicionavam seus protetores menstruais. Por curiosidade resolveram pesquisar o prédio e o medo aumentou com a descoberta de bolsas coletoras destruídas, descartadas do apartamento de um morador que tinha hábitos e horários bastante estranhos. Fornecedor de bolsas de sangue adulteradas, o pretenso médico as produzia naquele mesmo prédio.
Em meio ao caos reinante na Terra, refugiou-se no meio do mato. Olhando o céu estrelado, livre da poluição e das luzes da cidade, namorou um estrela. Toda noite, fixo em sua luz, imaginava viver naquele reino de paz perdido no firmamento. Na galáxia distante, fixada no ponto azul da órbita Solar, a bruxa estelar sonhava com o dia em que poderia fugir da mediocridade de seu mundo pequeno para mergulhar naquele sistema rico e tão cheio de desafios.
A vida estava cada dia mais difícil e o futuro negro e sem qualquer esperança. Naquele lugar era considerada bárbara porque mantinha valores profundos e sentimentos fortes, bem diversos da futilidade dos que a condenavam. Sabia que ameaçava, com seus poderes femininos, o desejo de supremacia do mundo racional. Quando matou seus filhos, por imenso amor os libertou da sina nefasta de descender de pai covarde, subjugado por uma sociedade que apodrecia. Só e livre, desfez-se em luz.
Trabalhando como caixeiro viajante, havia passado por cidades perdidas no mapa, nomes que ninguém tinha ouvido falar. Ainda era jovem quando soube que teria pouco tempo de vida e resolveu se embrenhar por alguns destes lugares em busca de algo que ele mesmo desconhecia. Encontrou-se em mulheres solitárias nas quais depositou o semem que o continuaria.
Quando Cetus viu Andrômeda acorrentada ao rochedo, se encantou. O medo e a desproteção da moça faziam mais marcantes sua monstruosidade e inadequação. Sabia não ser seu destino ligar-se a uma criatura tão casta e bela. Antes que Perseu chegasse, fugiu para as profundezas do mar deixando ao herói a fama por sua destruição. A jovem se calou, mas ao ouvir o som das ondas batendo nos rochedos, lembrava com ternura seu verdadeiro salvador.
escrito em 17-10-2009
Ao entrar naquele paraíso de guloseimas, mamãe Vírus avisou a seus filhotes: não abusem! E foi curtir suas comprinhas. Ora, sem controle, os pequenos atacaram tudo, sobretudo a corrente de jujubas vermelhinhas, de nome engraçado: hemácias! Em pouco tempo, o lugar entrava em falência, combate e destruição. Em meio ao caos instalado, todos pensavam em soluções, mas sob a fria terra, cobertos de cimento e escuridão, em pouco tempo nada restava senão ossos duros de roer!
Sua identidade era tão sutil que não conseguia defini-la. Oscilava entre amor e ódio, docilidade e rebeldia, homens e mulheres eram-lhe igualmente atrativos. Até seu nascimento: havia sido em lua cheia, nos opostos signos de Touro e Escorpião. Fosse o que fosse, símbolo de casa, mãe ou útero, estivesse de saia ou calça, só se sentia em segurança carregando uma bolsa junto ao corpo. E dentro dela levava apenas o essencial: batom e revólver.
Escrito em 14-10-2009
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Eram oito irmãos. Quase todos tinham conseguido bons empregos, constituíram família, viveram e morreram na cidade natal como cidadãos honrados e pacíficos. Entre todos, três tinham fama de parasitas: Dois eram gênios tão completos que jamais conseguiram saber o que fazer de suas vidas. O terceiro perdeu-se pelo mundo tido como louco. Este, ao morrer, tendo as obras valorizadas como únicas, trouxe fama e fortuna para a família e a cidade onde nasceu.
A pequena Lívia imitava tudo e todos. Visitando a tia no hospital saiu de lá reclamando de fortes dores na barriga. Como persistisse, resolveram experimentar uma terapia pela imaginação. No local, crianças relaxavam ouvindo histórias e musicas que as conduziam através da fantasia. Todos apresentavam melhoras quase imediatas, mas Lívia parecia estar captando as queixas de cada uma das crianças do grupo. Colocada à parte, parou de reclamar e parecia feliz. Antes de expirar, o especialista ainda conseguiu ouvi-la dizer que havia entrado na barriga da imaginação.
escrito em 14-10-2009
A estrutura do grande centro comercial precisava de reforma urgente, mas nunca havia tempo para tanto. Véspera do dia das crianças, no estacionamento lotado as máquinas continuavam a repetir a saudação eletrônica: "obrigada por vir ao Shopping RS - o presente das crianças será inesquecível!" Em algumas horas, com a sobrecarga de público, o sistema elétrico entrou em pane. Nada sobrou, a não ser a inesquecível tragédia.
Cem anos depois, recriavam a viagem fatídica. Mesma decoração, cardápios e bailes de época. Durante o cruzeiro os novos milionários se divertiam com histórias do passado, mas foram ficando tristes e desconfiados. Volta e meia surgiam rostos desconhecidos, cabines não abriam e nos grandes espelhos as imagens eram confusas. No último porto a tensão era tão grande que ninguém desceu à terra. No local do choque, a missa programada foi interrompida por gritos e prantos que não silenciaram. Ninguém mais se alimentava nem dormia. Muitos corpos foram sepultados no mesmo cemitério das antigas vítimas, outros tiveram que ser lançados ao mar.
Enquanto atravessava o pátio da escola no intervalo entre aulas, o professor passou por diversos grupos de jovens que conversavam.
Ao chegar à secretaria, teve que pedir a um funcionário que segurasse uma lixeira sob suas orelhas. Precisava esvaziar os ouvidos de tantas palavras grosseiras e agressivas que, além de lhe causar dor de cabeça, já vazavam pelo recinto, tornando-o inabitável.
Trabalhava num jornal e fazia epitáfios. Naquele dia, escreveu o mesmo para duas figuras públicas que haviam falecido. As famílias ficaram, ambas, bastante satisfeitas.
O político tinha fama de gay e já era bastante idoso. Quando morreu no quarto de uma conhecida prostituta, tornou-se o assunto do dia na pequena cidade onde morava. Conjeturou-se de tudo um pouco, mas apenas ela sabia que, nas sessões muito bem pagas, ela o tratava como um bebê. Pedia que o amamentasse e trocasse suas fraldas geriátricas, acariciando-o como se fosse seu filho. A mãe morrera no parto e ele tinha sido criado por suas companheiras de prostíbulo.
escrito em 04-10-2009
