segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Identidade




ficha do Dops


Identidade

A repressão continuava, embora sem aparência brutal. De um dia para outro suas mensagens foram devolvidas, seu perfil nas redes sociais apagado; tentou correio convencional e as cartas voltavam. Os vizinhos não respondiam aos cumprimentos e a venda do bairro cancelou seu fiado.
Pior quando sua matrícula no mestrado foi negada por não reconhecerem seus documentos: Fotoassinatura incompatíveis. A escola onde dava aulas estava fechada e a secretária não o reconheceu. Deu seu nome a um aluno, e ao perguntar se o conhecia ouviu outra negativa.
Solicitados, novos documentos seguiam negados sistematicamente. Durante anos tentou concursos em todo tipo de empresa sem obter sequer inscrição.
Abatido, conseguiu ocupação como faxineiro de uma mansão bem longe de casa. Em pouco tempo a excelência de seu serviço o promoveu a copeiro. Pela proteção da antiga cozinheira, foi convocado a servir na recepção a figuras ilustres. Foi então que percebeu, no olhar diferente de um conviva, a luz da familiaridade. Naquela noite, em fuga, dormiu nas ruas.
De volta a casa, ao vê-lo, o porteiro apanhou o interfone e se ausentou. Porta trancada,  campainha muda. Voltou à rua e dormiu sob o viaduto na companhia de um cão vadio. Sentia-se perseguido, vigiado e assustado com os efeitos do medo sobre sua mente fragilizada.
No centro da cidade, em um velho e decaído hotel, sob nome inventado, conseguiu quarto. A cachaça matou a dor da fome. Antes de dormir encontrou uma arma, coisa estranha, na gaveta da cabeceira. Deitou com ela na mão. Na madrugada acordou para urinar. Ao olhar o espelho sobre a pia, deu com um rosto suspeito, estranho e perigoso. Sem pensar, atirou.
Quando a polícia chegou, o gerente do hotel, pela colaboração e pela arma, recebeu seu pagamento.
Nos jornais matinais, aquele nome negado há anos, aparecia em destaque como perigoso subversivo foragido.



escrito em 18-08-2012

2 comentários:

EDUARDO OLIVEIRA FREIRE disse...

Muito bom. Fiquei absorto até o final

Angela disse...

Que bom! Muitas vezes temo que as histórias fiquem longas e duvido se publico.
Fico feliz que tenha prendido a atenção. Obrigada.