Os riscos

foto sem indicação de autor

exclui a foto anterior para não melindrar o autor e não perder tempo com sua necessidade neurótica de atenção, como se pode ver nos comentários.

O aniversário seria em dois dias e a criança amanheceu com febre e placas pelo corpo. Preocupada, prevendo desmarcar a festa, a mãe leva a menina ao pronto socorro infantil. Liberada com diagnóstico de virose simples, comum àquela época e já sem risco de contágio, a moça sai com a menina ao colo. Feliz com o parecer da médica atravessa a rua desatenta ao carro que, em alta velocidade, atinge as duas.

escrito em 24-12-2008

Tesouros da juventude

Vincent van Gogh - hospital Arles

Sentia uma saudade enorme de seu "tempo de loucuras". Agora, se achava muito fora de idade! Só que um dia, as loucuras, também saudosas, começaram a vir ao seu encontro, embaralhando a vida, as coisas, as pessoas...Abraçou a velha amiga. Fez a mala e entrou, feliz, pelos portões do Sanatório!

escrito em 2001

Máscara

desenho de Juarez Machado

Sorriso sempre impecável, nunca perdia o controle. Gentil em gestos e atitudes, perfeito! Um dia, a reunião girou em torno do recém chegado, mais agradável que ele. Rosto rubro, correu para o banheiro. Em choque, viu suas feições, desfeitas, descendo pelo ralo da pia onde lavava os sinais da ira que o dominava.

escrito em agosto de 2001

Landscape

Autor- Dariusz E.

No fundo do armário pintou um cenário onde encontrava toda a felicidade e liberdade.Enquanto, em vão, o procuravam pela casa, lá se recolhia e se trancava sempre que o mundo lhe parecia mau. No dia em que a casa pegou fogo, entrou para sempre em seu mundo de paz. Nada sobrou da feia realidade.

escrito em 26/08/2001

Noite de natal

Sentada em frente à lareira, a velha senhora aquece o corpo e observa as achas de lenha devoradas pelo fogo. Enquanto os jovens adornam o pinheiro e seus pais arranjam a mesa para a ceia ela observa todas aqueles seres cheios de alegria e esperança. Frutos de sua vida, eles esperam a primavera que virá. Assim como o velho pinheiro que agora arde e enche a sala de luz, calor e aroma, com sua energia ela gerou e aqueceu toda aquela família. Falta pouco para que só restem as brasas e todos irão dormir felizes. Serena e com a certeza de ter cumprido sua missão, entrega sua alma ao som dos sinos da meia noite.


escrito em 19-12-2008

Cuidado inútil

foto de viagem - arquivo pessoal

Alta madrugada, lugar de alto risco. Levaram a jovem em casa conforme prometido. Gentilmente, esperaram que entrasse no prédio e abrisse a porta do elevador. O carro arrancou tranqüilamente, enquanto ela caía no poço escuro sem ter visto a placa jogada a um canto: PERIGO - ELEVADOR EM REPARO.

Escrito em 7/10/01

Natal

antigo postal francês

Era uma criança tão linda e tão feliz que Papai Noel não resistiu. Na noite de Natal levou-a, de presente, para sua casa.

publicado originalmente em Veredas

Human-idades

arquivo de família

Avô e menino brincam. Montam quebra cabeças e colam figurinhas no álbum. Enquanto rememora seu tempo de criança, o velho pensa: - como é bom não querer fazer certo, viver as coisas pela primeira vez, topar o desafio como um pequeno herói! E não percebe o olhar da criança que o vê com super poderes: - ele sabe colar no lugar certo, não se suja com a cola e encontra peças difíceis com rapidez.
O homem que os observa, entende agora porque não viveu esta intimidade com seu pai.

escrito em 19-12-2008

Insepulto

imagem encontrada na web

Não tinha consciência, mas estava morto. Colarinho apertado, sapatos duros e o sempre paletó escuro traduziam a prisão em que vivia. Em sua realidade não havia espaço para alegria, cor ou movimento. Uma noite sonhou que algo o elevava salvando-o do túmulo onde se confinara - Dormia relaxado como nunca apoiado em galhos delicados, aparentemente tão frágeis e débeis como imaginava, fossem todos aqueles que sonhavam e buscavam as alturas.

escrito em 12-12-2008

Escritores e Amantes

Se uma formiga fosse escritora, o que poderia escrever senão minificção? escreveu David Lagmanovich.

E o Elefante, que só escrevia romances imensos e tediosos, depois que se apaixonou pela Formiguinha passou a escrever apenas minicontos.

escrito em 20-6-08

Acerto de contas

interferência sobre foto de Alvaro Duarte

No átrio da igreja vazia, uma senhora idosa empunha um guarda-chuva e ameaça a imagem da Virgem com o Menino nos braços.
-Não é justo, senhora, passei a vida a trabalhar para sustentar minha única filha. Pouco tempo tive para acalentá-la nos braços e, agora, que ela poderia me dar um neto, vem me dizer que irá para o convento dedicar-se a Seu serviço! A Senhora que me ajude a mudar-lhe esta idéia!
Na manhã seguinte o pároco encontrou a Virgem de braços vazios.

escrito em 15-12-2008

Entre o inferno e o paraíso

sem título- autor Soth

A dor era tamanha que se sentia mergulhado no inferno. E a cada vez que a dor parava por instantes tinha o júbilo e a certeza de conhecer o paraíso, o que era suficiente para aceitar melhor o tempo interminável da dor. Era esta aceitação que o fazia consciente do que seria um purgatório.

escrito em 14-12-2008

Porto final

Caminhava pelas areias colhendo conchas e pedaços de vida marinha. Em sua cabana enchia cestos e mais cestos com as quinquilharias cheirando a sal. Entre os lençóis colecionava dores e partidas, perdas e desencantos. Quando sentiu que chegava a seu porto final, espalhou tudo pelo chão, sacudiu os lençóis e chorou muito, chorou tudo e tanto que se fez oceano.

escrito em 10-12-2008

para meu pai que encontrou seu porto final fazem, hoje, vinte anos.

Viajante

azulejos portugueses - gaivotas



Dê pés à imaginação, menino!
Diz a mãe, desesperada,
ao filho que mora, há horas
nos azulejos do banheiro,
parceiro das gaivotas!

escrito em 1992

Perdido

sem título - Autor - Katschor

Havia orientado um incontável numero de pessoas a encontrar caminhos pelo mundo. A maioria ainda o procurava com notícias agradecidas e ele, sempre perdido, jamais encontrou um destino. Resolveu fechar a agência de viagens e abrir um consultório. Talvez como psicanalista, ajudando a outros, conseguisse encontrar a si mesmo!

escrito em 07-12-2008

Ausência 1

& replay autor- arche

No cansaço da noite, sempre que me deito, encontro despida sobre meus lençóis aquela que comigo não se deita mais.Ontem, novamente, não estava em meu leito. Oh Deus! Quando ela irá embora?

escrito para Minguante.
tema: ausência

Polaridades

Na tle niebla - autor - toziu24

Separaram-se em meados de março.

Ela, ao Norte, degelava a depressão em prantos que lavavam a alma e aprontava-se para primaverar.
Ele permaneceu no Sul e chorava, copiosamente, a perda da autoconfiança exacerbada. Tomava, enfim, consciência de seu iminente outono.

escrito para Veredas em março de 2007

O olho da fechadura

keyhole - autor: opacity.us

Lembrava bem de si, na ponta dos pés, espiando pela fechadura do quarto dos pais. Já homem feito, como suas costas doessem ao se envergar, abriu um novo buraco num ponto mais alto. Sozinho na antiga casa, velho e covarde espectador da vida, continua a espreitar o vazio de sua existência pelo olho da inútil fechadura.

escrito em 07-12-2008

Malandro Carioca

Fevereiro. Mês de praia, calor e carnaval! Ainda bem que, justo agora, a empresa tinha dispensado seus serviços. Ia poder curtir a vida! Passado este tempo, com a cabeça fresca, começaria a procurar trabalho.

escrito em 11-11-2007
para minguante - tema: Desemprego

Tristeza Gay

Desligou o telefone com um definitivo adeus. Calçou salto bem alto, pôs batom vermelho, soltou os cabelos e saiu pela rua, como quem nada quer, rebolante e nua, exibindo os pentelhos cuidadosamente pintados de lilás enquanto o radinho de pilha anunciava ao quarteirão: I’ll survive!

escrito originalmente para os 300 toques do falaê

Vida e morte em Ludmila

memories - por koval

Ludmila fugia de suas memórias. Ao fim de cada dia esquecia tudo, da mesma forma como punha no lixo todos os sinais de sua vida nas horas passadas. Pensava enganar a morte já que esta a encontraria tal como ao nascer, sem história, sem vínculos, sem tempo. Naquele dia, a morte enraiveceu-se como nunca. Autodestrutiva, buscou espelhos humanos para vingar-se. Ao descobrir-se habitante constante e única daquela mulher, nela suicidou-se.

escrito em 07-12-2008

Um conto fresquinho

O escritor tinha acabado de escrevê-lo e o publicou em seu site. Como o tempo estava frio, todos que o liam espirravam e se resfriaram causando um surto de gripe inexplicável na cidade!

escrito em setembro 2007

O óbolo

Sob a pele, costurado pelo lado de dentro, lá estava o marca-passo. O coração quase explodira com tantos sentimentos reprimidos. Agora, resumia em palavras-chave as emoções vividas e guardava-as na algibeira. Em pouco tempo haveria o suficiente para pagar Caronte.

Escrito para o livro Contos de algibeira- da editora Casa Verde-POA.

Em 24 de agosto de 2007

No limite

imagem encontrada no google

Há muito tempo desempregado, toma barbitúricos para morrer. Quando começa a relaxar percebe que a saída é deixar fluir. Salvo, descobriu assim seu objetivo de vida. Através de um serviço que ajuda desesperados e aflitos, ensina a aceitação pelo relaxamento.

escrito em 24-11-2007

Invasão silenciosa II

ancestrais - imagem encontrada no google

A invasão virótica já destruíra boa parte da população do planeta quando um novo tipo de vírus apareceu modificando a conduta humana após as infecções. Grupos com alto índice de corrupção e belicosidade passaram a ter comportamentos transparentes e humanitários. Os sintomas de honestidade e solidariedade foram disseminados a partir de povos que, em sua história, enfrentaram grandes desafios à sua sobrevivência.

escrito em 09-01-2008

Sensações Angélicas

publicidade do licor Frangélico

Quando aceitou fazer o comercial da bebida, o produtor não cabia em si de contente com a expressividade das fotos. Êle não podia imaginar o prazer que aquele sabor e textura lhe trazia, junto à sensação de pecado urgente. Como sentia falta do tempo em que servira no convento e o famoso licor de avelãs escorria sobre os mamilos túrgidos de sóror Angélica da Caridade.

escrito em 02-12-2008

Sob as leis do antigo Egito

imagem encontrada na web

Emérito egiptólogo recebeu autorização do governo para visitar os monumentos históricos. No interior da Grande Pirâmide, um sono imperioso o obriga a sentar-se a um canto da sala funerária. Ao acordar, para seu espanto e encanto, o local está vivo. Alimentos, incensos, escravos circulando com salvas e bebidas fazem-no intuir que entrou num portal aberto para a quarta dinastia. Percebe então que está em meio ao funeral de Khufu. Seu espírito inquisidor o faz perder a noção do tempo até que ouve a pedra da entrada ser fechada. Tal como os servidores do faraó, ficará sob a Terra para sempre!

Escrito em 07-11-2008

para http://www.cranik.com/terrorzine4.pdf

Graça pequena

Era ainda uma menina quando a irmã a quem admirava, foi viver bem longe. Logo, foi o pai a deixá-la e começou o medo. Não a queriam, desconfiou. A mãe, então, levou-a pra muito longe e ela precisou abandonar o pouco que tinha. Lá, bem distante, foi largada com estranhos e se fechou no único mundo a que pertencia, quieta, bem dentro, bem perto. Os menos sensíveis não entenderam esta autoproteção e a delegaram ao universo dos estranhos. Resolveu, por conta própria, ir buscar-se no espaço dentro da terra, quieta, como sempre foi em seu dentro. Libertou-os de sua existência e devolveu-lhes a herança recebida: o abandono.

105- escrito em 01-12-2008

Ao câmbio do dia

carybé- a mulata grande -pintura 1980

Sondava a moeda estrangeira. Dólar em baixa, Euro estável. Seu inglês dava pro gasto, agora tinha que aprender alemão.

Louros gostavam de mulatas e seu michê só iria melhorar. Que língua difícil! Tinha até aquela tal de declinação! Meses de sacrifício inútil, pois acabou dando sorte com um empresário nordestino. Este sim pagava muito bem, parecia japonês, queria casar com ela e era surdo-mudo!

escrito em 30-11-2008