Já era tarde quando viu a barata entrando na estante de livros. Só queria afugentá-la, mas o móvel era pesado e o sono imenso. Ao ver o inseto passeando entre os volumes, deixou a tarefa para o outro dia e foi deitar. No meio da noite acordou com chiados. À escuta, tentou em vão entender o que parecia ser uma conversação que saía do livro A Metamorfose. Quase de manhã, na outra cama que havia em seu quarto, percebeu um homenzinho encolhido que dormia. Podia apostar que era Gregor Samsa.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
cadê meu lugar?
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
Votos
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
BALAI - a viagem do menino
do quadro- O Tapete Voador de Baba Yaga – 1880 de Vasnetsov, Viktor Mikailovich ( 1848 – 1926 )
BALAI - a viagem do menino
Ele imaginou seu cavalo e o chamou Balai. Era comum nomear coisas com palavras 'inventadas' até as descobrirem existentes em outras terras e costumes. Assim foi crescendo o menino que gostava de ajudar a limpar a casa e varrer a sujeira do chão. - Será que ninguém percebia que enquanto varria, ele viajava? Com Balai voava por mil lugares, ganhava batalhas e enfrentava dragões. Agora cresceu um pouco, já fala francês como a família e balai, com pronúncia correta, tornou-se apenas uma vassoura, como outra qualquer!
sábado, 20 de fevereiro de 2010
O poder das flexões públicas
a sabedoria da reverência - imagem da web
Quando, em menos de um mês, conheceu a quinta pessoa de baixa renda que havia sido encaminhada para cirurgia do joelho sob o mesmo diagnóstico, ele desconfiou. Pesquisando a origem da prótese indicada, descobriu que todos os médicos responsáveis pelos procedimentos eram sócios da firma importadora do custoso material.
escrito em 13-02-2010
Uma questão genética
irmãos gemeos - imagem da web
Gêmeos idênticos, um deles bem sucedido nos negócios, após casar foi residir longe de casa. O outro, fracassado e infeliz, chamou o irmão à cidade natal pedindo ajuda e o assassinou tomando seu lugar. Desconhecia que o sobrinho, adolescente revoltado, havia planejado e decidido matar o pai, a quem odiava, assim que este retornasse a casa.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
sonhos
Construo vidas, dirijo roteiros fantásticos que mal posso explicar nem reproduzir. Cores nunca vistas, personagens conhecidos e outros nunca, monstros maravilhosos, desenhos, sons e sensações inimagináveis. Pra que acordar para dias grosseiros, cruéis e sem beleza? Milhares de rostos repetidos e insípidos, a rotina banal embota os sentidos quando não revolta ou desgosta o viver. Se a morte for assim, um sono pleno destes sonhos paradisíacos, então que venha, mas que se atrase um pouco, pois enquanto isso, durmo e vivo mais viva que se acordada estivesse.
Bolsa térmica
foto da web - inverno em Londres
Inverno rigoroso e o hotel tentava atrair clientes. Abriram inscrições para o teste: vestindo traje térmico especial, os empregados se deitariam nas camas por alguns minutos, antes dos hóspedes retornarem aos quartos. Correu para ser a primeira candidata. Há um mês não conseguia lugar para morar, tinha sono fácil, despertava rápido e, naquele frio, nada melhor do que receber salário para cochilar em camas confortáveis.
Uma noite não conseguiu acordar, mas era seu dia de sorte: Com medo de dormir sozinha, a cliente pediu que ficasse. Trato feito com a gerência, inaugurou o novo serviço de acompanhante térmica permanente.
Baseado na notícia ‘escravidão de luxo’ por Fernando Duarte - publicada no O globo on-line em 20-01-2010
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Pacto
Estavam velhos e cansados. Há muito partilhavam alegrias e problemas e sempre pensaram morrer juntos. Naquele final de ano, a família distante, resolveram que era a hora certa. À noite, deitaram lado a lado como sempre para se deixar ir sem reação, como num bom sono sem sonhos. Assim fizeram, mas enquanto se entregava, ele se lembrou, de relance, do olhar convidativo da nova vizinha. Ela faleceu durante o sono, conforme o combinado. Ele despertou para sua nova vida.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Noturno
pintura de Vilhelm Hammershoi
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Avessos
Era feio e deformado, um monstro. Assustava-se ao olhar o espelho, embora fosse doce e muito humano. Ao se aproximar de alguém para ajudar era rejeitado e as crianças corriam dele com pavor. Despertou a simpatia de um médico que lhe ofereceu sessões de plástica reparadora. Depois de meses em cirurgia ficou com aparência, se não agradável, harmônica. Mas, a antiga feiúra começou a brotar em sua alma. Tornou-se um monstro nas ações. Perseguia velhos e mendigos, machucava crianças, chutava animais e passou novamente, a ser temido por todos. Só assim conseguia estar completo.
o chantagista
Se dizia um jogador inveterado e espalhava aos quatro ventos que preferia as cartas. O que não desconfiavam é que jogava com a vida das pessoas. Escrevia e enviava cartas anônimas onde reis, damas e valetes ilustravam as mais hediondas histórias de crime e traição.
Revolta
Conseguiu trabalho num shopping. Cuidava de crianças em um espaço de jogos e brincadeiras. Era ainda muito jovem e devido a infância miserável que tivera, os pequenos de classe media cheios de mimos e vontades despertavam sua ira. Não retrucou ao receber ordens para levá-los ao banheiro, mas limpar fezes e urinas dos fedelhos trazia à tona sua revolta. Enquanto fazia a higiene das crianças, disfarçadamente as machucava enquanto pensava: - Toma porcaria, experimenta um pouco da violência com que sempre fui invadida!
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Assombrações
Era um fantasma jovem e, como tal, rebelde. Deixou a casa onde a família assombrava e se aventurou em um prédio novo, recém construído em espaço virgem, sem história. Não foi reconhecido. Pessoa alguma lhe deu importância, estavam assombrados apenas com as quedas da bolsa de valores e com os vírus que atacavam suas máquinas.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
estabilidade profunda
Pela vida
Não suportava destruir qualquer coisa viva. Afastava insetos invasores e procurava devolvê-los ao seu habitat. Cada vez que alguém da casa, à sua revelia, usava venenos para matar algum invasor, o odor penetrava seu corpo intoxicando-a, causando alergias e muitos incômodos. Ao morrer, a quantidade de insetos que invadiu o velório, e alguns voavam à volta do caixão, assustaram amigos e familiares, mas ninguém ousou perturbá-los.
escrito em 01-02-2010
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
As bolsas do filho da mãe
A mãe nem carteira tinha, pois o dinheiro não chegava para juntar. O garoto cresceu fixado na idéia de lhe dar uma bolsa. Conseguiu, mas não ficou satisfeito. Político eleito, passou a instituir bolsas de todo tipo, para tudo e todos. Afinal, em sua ânsia de popularidade conseguiu, em cifras, superar Louis Vuitton e Victor Hugo. Entretanto, o mais significativo, é que seus bolsos estão cada dia mais cheios!
escrito em 26-01-2010
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Moradia apertada
Próxima de uma estação do metrô, entre muitas outras que vendem traquitandas, a barraquinha ostenta um toldo onde, em letras grandes, se lê:
JESUS MORA NESTE LUGAR.
Como o local está fechado há semanas, talvez Jesus tenha perdido as chaves ou, aborrecido com tanta poluição e aperto, chamou o dono do negócio para se encontrar com ele no paraíso.